A sátira que expõe a privatização da guerra

Você já conhece a história mas agora vai saber mais sobre ela. Os bilhões de dólares embolsados, graças à guerra do Iraque e ao governo Bush, por corporações como Blackwater (multinacional de mercenários), Halliburton (antes presidida pelo vice-presidente Dick Cheney) e Bechtel são o tema da sátira War, Inc, dirigida por Joshua Seftel e que John Cusack co-escreveu, co-produziu e estrelou juntamente com Ben Kingsley, Hilary Duff, Marisa Tomei e, no papel de certo vice-presidente dos EUA, Dan Aykroyd.

“Que altos assessores estão ligados a tais aproveitadores que faturam com a guerra?” – pergunta Cusack num comercial de televisão do filme, ligando as imagens de John McCain e George Bush. “Aposto que você não conseguirá distinguir um do outro”, diz o ator-produtor. Ele também divulga o filme em entrevistas à TV, inclusive à excelente Amy Goodman, do programa alternativo “Democracy Now!” (clique abaixo, no YouTube, para ouvir Cusack falar, de Londres, a Goodman, o co-âncora Juan Gonzalez e o jornalista Jeremy Scahill, autor de um livro sobre a Blackwater)

Alguns já definem o filme como “um ataque impiedoso, corrosivo e ousadamente engraçado à fúria da direita na obsessão de privatizar a guerra”. Embora críticos o tenham encarado com reservas no primeiro momento, a reação das pessoas está surpreendendo. E a surpresa tende a ampliar o interesse do público, como no caso do documentário Farenheit 9/11, de Michael Moore, também lançado num ano (2004) de eleições presidenciais (Leia AQUI entrevista de Cusack ao site AlterNet e o trailer do filme).

A força ultrajante do humor

A colunista política Arianna Huffington – criadora do site que tem seu nome, atualmente um dos mais atuantes na cobertura da campanha eleitoral – contou ter visto o filme antes de estar terminado. “Fiquei abalada pela maneira como ele conseguiu captar a insanidade que se desdobra no Iraque. War, Inc. faz quase o impossível. Expõe com humor a realidade selvagem da tragédia no Iraque”.

Segundo Huffington, “os realizadores do filme usaram com maestria minha arma criativa favorita: a sátira. É como um soco no estômago. Faz a gente rir, causa revolta e é sempre ultrajante”. Ela citou Naomi Klein, cujo artigo “Bagdá, Ano Zero”, serviu como ponto de partida do filme: “É uma daquelas raras sátiras que embutem um potencial de perigo”.

A sátira política que se propõe confrontar os poderosos com verdades terríveis, não só para produzir gargalhadas mas também para provocar mudanças, tornou-se rara no cinema atual, como observou Huffington. Isso porque poucos agora ousam tentar. Mas quando alguém o faz e é bem sucedido – como foi o caso de Stanley Kubrick, Paddy Chayefsky, Joseph Heller, Billy Wilder – o efeito é inesquecível.

Quem são os vilões da guerra

Para gênios como Mark Twain, também citado por Huffington, a exposição a uma boa sátira torna os cidadãos menos sujeitos a “se dobrarem como carneiros”. Assim, o humor é apenas uma maneira de chamar atenção para as contradições ou a hipocrisia que se impõe oficialmente. Essa a função do humor. Ele às vezes ainda é capaz de transformar a realidade.

A direita, desafiada pela sátira, está tentando condenar Cusack e os demais envolvidos do filme. Para tanto, recorre às mesmas táticas e acusações que se tornaram rotina desde o 11 de setembro de 2001: eles são repreendidos pela suposta falta de patriotismo e por “ofenderem” as tropas que lutam no Iraque. Seriam culpados ainda porque tentam fazer humor sem levar em conta o sofrimento dos soldados.

Mas Cusack responde que os alvos do filme não são os soldados americanos e sim aquelas grandes corporações, várias delas empenhadas em obter lucros escandalosos com o negócio do mercenarismo. Elas e seus executivos, como ainda os políticos de bandeirinha na lapela que as apóiam e ao mesmo tempo insistem em manter os soldados em situação de risco e negam-se a aprovar a lei sobre os direitos deles depois da volta à pátria”. 

New York Times contra a terceirização

Cusack contou ainda estar recebendo numerosas manifestações emocionadas de apoio, enviadas por soldados e suas famílias. Como a do sargento Brent Sammann, ainda ativo no Iraque: “Sou testemunha pessoal da exploração da KBR (subsidiária da Halliburton) e outras companhias que prestam serviços ao esforço de guerra – serviços que nossos soldados poderiam perfeitamente fazer e fariam melhor”.

O soldado ainda enviou sua própria foto na qual conclama: “Go see War, Inc” (Vá ver War, Inc). Acrescenta ele: “Essas corporações ampliam o lucro com superfaturamento. É a rotina aqui. Além disso, o serviço delas é ruim, como também o tratamento que nós, soldados, recebemos dos empregados delas, cuja remuneração é três vezes maior do que nossa. Estamos aqui para servir ao país. Não é esse o caso daquela gente com contratos militares bilionários”.

Em seu editorial da última quinta-feira o New York Times saudou o Congresso por finalmente estar tentando “proibir uma das fugas mais flagrantes do governo Bush à responsabilidade no Iraque – a terceirização, para mercenários de empresas privadas, dos interrogatórios de detidos” (leia AQUI a íntegra). Na tortura, disse ainda, os mercenários operam como bandidos corporativos. Não respeitam regras militares e nem a ética. Torturam e ficam impunes.

 

Published in: on junho 14, 2008 at 3:30 pm  Comments (2)  

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2 ComentáriosDeixe um comentário

  1. Terceirização de tortura, campos de concentração offshore, negligência hipócrita da suprema corte, esse horror todo é tão real que fico na dúvida se caberia sátira. A conferir.

  2. O que antes era privativo do Estado, acabou sendo privatizado. Ainda bem que essa moda não foi abraçada por nenhum tucano aqui no Brasil.


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