Os republicanos e o “candidato da Manchúria”

Desde fevereiro tenho sugerido aqui que durante a campanha, até as eleições de novembro, o democrata Barack Obama será difamado como “candidato da Manchúria”. É esse o título original (The Manchurian Candidate) do filme Sob o Domínio do Mal, dirigido em 1962 por John Frankenheimer e baseado na ficção política (mesmo título) de Richard Condon, refilmada por Jonathan Demme em 2004.

No bombardeio leviano a que Obama está submetido, iniciado pela adversária democrata Hillary Clinton ainda nas primárias, ele já chegou bem perto disso, graças à “culpa por associação”, no estilo macarthista. E agora há dois livros a caminho e uma enxurrada de ataques na mídia que já o tratam abertamente como “o candidato da Manchúria”.

Fiz referência terça-feira a um livro em preparo, The Case Against Barack Obama – The Unlikely Rise and Unexamined Agenda of the Media’s Favorite Candidate, escrito por autor ultraconservador, David Freddoso, e a ser lançado por editora de extrema direita, a Regnery Publishing, a mesma que bancou em 2004 a difamação de John Kerry sob o título Unfit for Command.

Pior do que Bush e Cheney

A livraria virtual Amazon.com já está aceitando encomendas de The Case Against Obama, que por enquanto tem uma capa temporária porque só estará à venda no dia 4 de agosto. Mas, para minha surpresa, desde o início de junho a Amazon.com oferece outro livro que chama Obama de “candidato da Manchúria”. Trata-se de Obama, the Postmodern Coup: The Making of a Manchurian Candidate.

O autor, Webster Giffin Tarpley, apresenta-se como “especialista em espionagem e historiador” e descreve Obama como “personalidade profundamente perturbada” e “títere megalomaníaco para o golpe posmoderno das agências de espionagem, usando pesquisas falsas, turbas de adolescentes, doadores super-ricos e histeria orquestrada na mídia para subverter a política normal e tomar o poder”.

Qualquer um minimamente sensato fica tentado a filiar Tarpley – como os dois “colaboradores” que cita, Bruce Marshall e Jonathan Mowat – à escola tradicional de malucos e paranóicos. Até porque a contra-capa do livro oferece pistas sugestivas. A serviço da Trilateral, segundo diz, Obama quer confrontar a China e a Rússia, sendo por isso “muito mais perigoso para os EUA do que a aventura de Bush-Cheney no Iraque”.

Sob o controle de Brzezinski

Observem também este trecho: “Obama vem da órbita da Fundação Ford e nunca ganhou eleição em disputa verdadeira. Seu guru e controlador é Zbigniew Brzezinski, revanchista enlouquecido que odeia a Rússia e há 30 anos dominou o catastrófico governo de Jimmy Carter. Todas as indicações são de que Brzezinski recrutou Obama quando este era estudante na Universidade de Columbia”.

Todo esse texto (reforçado com mais meia dúzia de desatinos) aparece sob um título geral na contra-capa: The Making of a Manchurian Candidate. Há ainda um cartum de três quadrinhos: no primeiro Hillary Clinton promete declarar guerra ao Irã e é chamada de maluca. No segundo, o fantasma de Brzezinski põe um míssil nuclear na mão de Obama, que no terceiro esgoela: “Temos de atacar a Rússia”.

A capa oferece algo também contundente: a foto de Obama de terno e gravata, levantando o braço esquerdo (aparentemente num comício) é colocada ao lado de outra, na qual o ditador Benito Mussolini, em uniforme militar pomposo e cheio de condecorações, levanta o braço direito na saudação fascista. Só faz sentido, talvez, por expor o que se passa na cabeça conturbada do autor.

O “golpe posmoderno” de Obama-Brzezinski, assim, pode até ser uma piada inofensiva. Já o The Case Against Barack Obama (veja a capa provisória abaixo, à direita) da Regnery foi feito para complementar o futuro bombardeio de comerciais sórdidos na TV. Tende a ter efeito negativo semelhante ao outro, Unfit for Command, publicado pela mesma editora que em 2004 reforçava a campanha do assassinato da reputação de John Kerry.

A arrogância do gigante cruel

O republicano John McCain tinha em 2004 relações tão boas com Kerry que condenou publicamente o livro e os comerciais. Houve até um boato de que seria vice da chapa democrata. Agora o boato é outro: McCain, crítico feroz – e alvo – de Karl Rove no passado, pode estar acreditando que sua única esperança de vencer em 2008 é recorrendo a difamação como aquela, a cargo de alguém com o caráter de Rove.

A semelhança é grande demais para ser subestimada. Sem vínculo oficial com a campanha (seu único papel é o de comentarista do império Murdoch, na Fox News e no Wall Street Journal), Rove está à vontade para comandar, ostensivamente ou não, a sórdida operação paralela. Sua ferocidade ontem no Journal surpreendeu: ele proclamou em sua coluna que será a pessoa de Obama o tema da campanha, a ser centralizada na “arrogância” dele (leia AQUI a íntegra no Journal).

Que arrogância? Rove pinça algo aqui e ali, sob uma única ótica – coisa que já fazia com seus “talking points” na Casa Branca, ao atacar a oposição. É como se Davi (John McCain), herói de guerra e ex-prisioneiro torturado, humilde e bondoso, enfrentasse com uma funda o todo-poderoso Golias (Obama), egoista e egocêntrico, que põe ambição e interesse pessoal acima de tudo. Contra o gigante impiedoso e cruel, por que não usar jogo sujo?

A ironia é a ficção política – um espião infiltrado na política para eleger-se presidente – ter contribuído para um projeto nas comunidades militar e de espionagem, o MK Ultra, com experiências extremas de lavagem cerebral e controle da mente e resultados desastrosos. O que levou o pesquisador John Marks a publicar em 1991 o estudo The Search for the Manchurian Candidate – The CIA and Mind Control, A procura do candidato da Manchúria – a CIA e o controle da mente (saiba mais AQUI sobre esse livro).

Published in: on junho 27, 2008 at 2:52 am  Comments (1)