Ressuscitando o escândalo da agente da CIA

Valerie Plame Wilson, ex-agente, teve sua carreira destruída na CIA por autoridades do governo Bush (Dick Cheney, Karl Rove, Irving Lewis “Scooter” Libby) que a identificaram publicamente (numa operação de vingança contra o marido dela, embaixador Joe Wilson, que criticara o presidente). Agora ela tenta ressuscitar em instância superior (o Tribunal de Apelações do Distrito de Columbia) o processo cível contra eles, mandado arquivar por um juiz federal.

No processo criminal, a investigação custou US$2,58 milhões e levou à condenação de Scooter Libby, ex-chefe do gabinete do vice-presidente Cheney, por perjúrio e obstrução da Justiça em depoimentos no tribunal e ao FBI (Bureau Federal de Investigações). Ele foi sentenciado a 30 meses de prisão, multa de US$250 mil e dois anos de liberdade condicional, mas a pena de prisão foi depois comutada pelo presidente Bush.

Antes da condenação e da sentença, que saiu em junho do ano passado, a defesa de Libby apresentara como testemunhas em favor de seu caráter, celebridades como Henry Kissinger, Donald Rumsfeld, Richard Perle, Paul Wolfowitz, Douglas Feith, Ken Adelman e James Woolsey, além dos generais Richard Meyers e Peter Pace e do ex-presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn.

A “Gestapo” e o “governo paralelo”

Se a prisão não tivesse sido comutada por Bush, Libby seria hoje a primeira autoridade de alto nível do Executivo a cumprir pena de prisão desde o escândalo Watergate, no governo Nixon. Kissinger, um dos apresentados como fiadores do caráter de Libby, é procurado atualmente em vários países para depor sobre os crimes praticados pelas ditaduras do Chile e da Argentina, como suspeito de cumplicidade, mas tem preferido evitar novas viagens pelo mundo.

Rumsfeld (demitido do governo em 2006) e seu ex-adjunto Wolfowitz (defenestrado do Banco Mundial por ter multiplicado o salário da namorada na instituição) foram os arquitetos no Pentágono da guerra de Bush no Iraque. Feith montara no mesmo Pentágono, como Colin Powell chegou a dizer, uma espécie de “governo paralelo” (cabia a Libby, ainda segundo Powell, conduzir, no seu gabinete, uma “Gestapo”).

A causa cível de Valerie Plame, se ressuscitada, pode obrigar Cheney, Libby e Rove a indenizá-la pelos prejuízos sofridos (inclusive a perda do emprego) devido à conduta ilegal deles ao inviabilizar sua carreira na central de espionagem. Ironicamente, a lei de proteção à identidade dos agentes tinha sido forçada por parlamentares republicanos com o amplo apoio do presidente Ronald Reagan, que a sancionou na década de 1980.

O primeiro cérebro da guerra

Richard Perle foi o primeiro a planejar a guerra do Iraque, ainda na gestão de Cheney à frente do Pentágono (1991), como desdobramento da operação para expulsar os iraquianos do Kuwait. O projeto dele e de Cheney para marchar sobre Bagdá foi então vetado pelo primeiro Bush, por recomendação do secretário de Estado James Brady, com respaldo do chefe do Estado Maior Conjunto, Colin Powell.

No governo de Bush II, Perle reapareceu integrando no Pentágono o Conselho de Políticas de Defesa, que fazia recomendações a Rumsfeld. Mas teve de renunciar ao ser descoberto que sua firma Trireme, faturava com programas e projetos levados ao Conselho – escandaloso conflito de interesses. Adelman e Woolsey tornaram-se sacerdotes da guerra, dedicados a campanhas de propaganda na mídia.

O núcleo central dos “avalistas” do caráter de Libby – Rumsfeld, Wolfowitz, Perle, Feith, Woolsey e Adelman – integrou ainda o célebre PNAC, Projeto do Novo Século Americano, que vinha planejando a guerra do Iraque, no contexto de uma nova política externa agressiva, unipolar, antes mesmo do final do governo de Bush I, em 1992.

Perjúrio e obstrução da Justiça

Feith, cujo cargo no Pentágono era de sub-secretário da Defesa para programas, era o mais próximo de Libby. E os dois foram os mais próximos de Cheney no governo Bush – daí a observação de Powell de que o gabinete de um era a “Gestapo” e o do outro o “governo paralelo”. Os neoconservadores do PNAC reuniam-se neles para tramar a aventura que matou mais de 4 mil soldados americanos e 1 milhão de civis iraquianos, além de criado 4 milhões de refugiados.

Mas Libby não foi condenado por seu papel nessa aventura, apenas por perjúrio e obstrução da Justiça. Mentiu sob juramento ao FBI e ao Grande Júri que investigava o vazamento da identidade de Valerie Plame. Para os republicanos hoje, um fato irrelevante. Mas eram também esses os crimes que eles atribuiam ao presidente Clinton ao fabricar o processo de impeachment em 1998.

A condenação de Libby no processo criminal deveu-se à determinação do promotor federal Patrick Fitzgerald, nomeado pelo governo Bush. Não fosse a irritação da CIA e da oposição democrata, além da obstinação de Fitzgerald, o caso teria morrido. A Casa Branca não estava interessada em apurar as responsabilidades pelo vazamento. Ao se defrontar na investigação com a teia de mentiras para obstruí-la, o promotor fez questão de levar a julgamento pelo menos um dos mais graúdos dos mentirosos.

Published in: on maio 13, 2008 at 2:48 am  Deixe um comentário  

Aula de ciência no império Fox de mídia

Como já foi dito aqui antes, o jornalismo da corporação do magnata australiano Rupert Murdoch – dono do império de mídia News Corp – que só nos EUA (fora o resto do mundo) engloba hoje a Fox e seus penduricalhos da TV, provedores via satélite, tablóides de escândalo e o antes respeitado Wall Street Journal – não é pior e nem melhor do que o do império Globo (jornais, TVs, etc) dos irmãos Marinho. É igual.

Nossa versão tupiniquim tem o mérito de estar apenas em território brasileiro. Tenta fraudar eleições e derrubar governos, mas só no Brasil, onde fracassou ao tentar transferir para Moreira Franco a vitória de Brizola no Rio em 1982, conseguiu inverter (de Lula para Collor) o resultado da eleição presidencial de 1989 e desde 2005 aposta sem sucesso, mas obsessivamente, no impeachment do atual presidente.

Nos EUA, Grã-Bretanha e Austrália, onde se envolve mais na política local, a News de Murdoch nunca foi tão longe como a organização Globo no Brasil, mas o jornalismo das duas é igualmente repugnante. A retomada agora da obsessão contra o ex-vice-presidente Al Gore lembra a da Globo contra Lula. O novo pecado de Gore: relacionou a tragédia da Birmânia às mudanças climáticas e aquecimento da Terra.

A culpa da flatulência bovina

 Brit Hume no seu \O “Special Report with Brit Hume” (foto à esquerda), jornal político diário da Fox News, de uma hora, tem uma seção de fuxico e intriga (“Grapevine”) para ridicularizar os vilões da casa, como Gore. E na parte final do programa, as supostas estrelas do jornalismo político (os Fox’s All Stars), como os ideólogos neoconservadores Bill Kristol e Charles Krauthammer, debatem a sério os grandes temas do país e do mundo.

Como o ódio da Globo a Lula aumentou com a ousadia dele em ganhar a eleição de 2006, o da News-Fox a Gore e defensores do meio-ambiente cresceu com o Nobel da Paz. Na tela da Globo, Lula é apedeuta e parasita, cria “mensalões”, “apaga” aeroportos, mata passageiros. Na da Fox, o aquecimento da terra se deve não a emissão de gases da indústria e combustíveis fósseis e sim a ventosidades (flatulência) de bois e vacas pelo mundo.

Para desautorizar estudos científicos, o jornalismo Murdoch faz piadas sobre a capacidade singular de bois e vacas na emissão de gases pelo ânus – o que vem sempre acompanhado de pesquisas duvidosas de desconhecidos (o último que vi citado era “um cientista da Nova Zelândia”), contestando (na certa em troca de remuneração da indústria) o conhecimento antiflatulento acumulado pela ciência.

Os principais especialistas em flatulência no império Murdoch, não por acaso, são os mesmos neocons que denunciavam as armas de destruição em massa de Saddam Hussein e conclamavam os americanos a invadir e ocupar o Iraque. Dois deles, Kristol (foto abaixo) e Fred Barnes, dirigem para Murdoch a revista ideológica Weekly Standard”, que se anuncia como “a mais lida na Casa Branca”.Bill Kristol

Crimes do Nobel são outros

Valia a pena ouvir Kristol dissertar em outubro do ano passado sobre o tema ventosidade: “Este homem (Al Gore) ganhou o Nobel da Paz por flatular sobre aquecimento global. (…) É um prêmio dado por flatulosos a um flatuloso, por coisa alguma. (…) O comitê Nobel tem os temas de que gosta. Voltou a destacar um deles. Apontou os holofotes para fazer o aquecimento global brilhar. Foi isso o que ele fez”.

Ao lado de Kristol, o outro ideólogo – Krauthammer, cuja coluna às vezes sai em O Globo – ofereceu este enfoque: “Gore une-se agora ao bloco de Arafat, pai do terrorismo moderno; Le Duc Tho, que firmou tratado em nome de governo que dois anos depois invadiu e extinguiu o país com o qual o assinara; e o mais infame, Jimmy Carter, (…) que fez lobby contra a guerra de seu próprio país no Golfo”.

Notem o detalhe: ele condenou o Nobel por ter premiado Arafat (esqueceu que foi junto com Yitzhak Rabin e Shimon Peres); Le Duc Tho (omitiu que este rejeitou o prêmio como hipócrita, pois a guerra continuava, mas que o criminoso de guerra americano Henry Kissinger foi lá e o recebeu); e o americano Carter. E daí concluiu: “o Nobel da Paz é ‘o Kentucky Derby da esquerda mundial'”.

De fato, em toda a sua história, desde 1901, o Nobel premia mal. Não por causa dos exemplos de Krauthammer e sim pelos absurdos que ele omitiu: os americanos Ted Roosevelt, da gunboat diplomacy; o secretário da Guerra dele, Elihu Root; Woodrow Wilson, que envolveu os EUA na guerra de 1914 depois de se eleger eleger com a promessa de manter o país fora dela; Kissinger, o pior de todos; e outros.

O herói esquecido do bushismo

Os neocons de Murdoch ainda ofereceram no ano passado sua análise sobre os possíveis efeitos do Nobel de Al Gore na disputa das primárias democratas. A conclusão então apresentada foi de que o ex-vice-presidente não tem a menor chance, principalmente porque o quadro dos candidatos potenciais já estava definido – com vantagem consolidada para Hillary Clinton. Erraram mais uma vez na futurologia.

O comentarista negro Juan Williams, então da rede pública de TV (PBS), hoje na de rádio (NPR), discordou de Kristol e Krauthammer naquele programa. Para ele Gore está de volta, no topo do mundo. O que levou Kristol a acusá-lo: “Você compara Gore a Madre Teresa”. Para Mara Liasson, também da NPR, seria difícil mudar o quadro das primárias na época. Verdade? Não. Sobre Hillary o quadro mudou totalmente.

Pitoresco ainda foi Kristol, no mesmo dia, atacar a imprensa e em especial o New York Times (no qual, por ironia, escreve hoje uma vez por semana), acusado de destacar o Nobel de Gore e ignorar a medalha de honra dada por Bush dias antes a um tenente da Marinha que serviu no Afeganistão. “Há algo de podre na nossa cultura”, disse. “Não reconhece heróis genuínos. Mas dá prêmio e badala alguém por fazer um filme”. É isso aí: como bushista, ele prega mais guerra. Assim fabricar mais heróis – e medalhas de honra.

Published in: on maio 13, 2008 at 2:04 am  Deixe um comentário