Ainda o desmonte da herança sinistra

obama_09_03_10O desmonte da herança sombria da dupla Bush-Cheney, com obsessões anti-democráticas como a aposta no clima de medo e na prática da tortura, é mais complexo do que se imaginava, mas avança. Esta semana, mal começada, já incluiu dois ítens: o fim das restrições ao uso de recursos oficiais na pesquisa com células-tronco embrionárias e a revogação da orientação bushista sobre novas leis.

Esta última ação do presidente Barack Obama é especialmente relevante, pois não fica limitada a um pecado aqui e ali (saiba mais sobre ela AQUI). Quando o presidente George W. Bush assinava certas leis das quais discordava de um ou outro ponto, baixava suas próprias instruções, ou “recomendações”, dizendo como a lei devia ser “interpretada”. Chegava ao extremo de invalidar partes específicas, a pretexto de inconstitucionalidade.

Tais “declarações assinadas” do presidente eram reveladas no próprio momento da sanção das novas leis. bush_signingO expediente em si não chegava a ser novidade. Já fora usado no século XIX, embora naqueles primeiros tempos os presidentes fossem parcimoniosos em recorrer a ele – raramente o faziam. Mas com Ronald Reagan (1981-89) passou a ser frequente. E com Bush II (foto ao lado) ganhou proporções de abuso.

Virando tudo pelo avesso

O que Obama fez segunda-feira foi determinar a reavaliação da legitimidade de cada uma daquelas “declarações assinadas” de Bush desafiando dispositivos das novas leis firmadas por ele nos últimos oito anos. Altas autoridades do governo foram instruídas (leia AQUI o memorando enviado a eles pelo presidente) a, antes de passar por cima deste ou daquele dispositivo, consultar o ministro da Justiça (Procurador Geral) Eric Holder.

abughrabi-tortureEssa decisão representa o cumprimento de uma promessa eleitoral de Obama. Durante a campanha ele garantiu que iria revogar aquelas “ressalvas” emitidas por Bush sobre pontos específicos das leis sancionadas entre 2001 e 2009. Um exemplo significativo foi a legislação que proibiu a tortura e a relativa à luta contra o terrorismo (as Leis Patriotas pos-11/9, violadoras das liberdades civis).

Como se sabe, Bush era tão tolerante (para dizer o mínimo) em relação à prática da tortura, a pretexto de ser importante arrancar confissões de presos, como rígido contra o exercício legítimo das liberdades civis em casos envolvendo suspeitas de cumplicidade com o terrorismo. Graças a tais excessos, as imagens de Guantánamo e Abu Ghrabi (foto acima) tornaram-se no mundo símbolos da violação de direitos humanos pelos EUA.

Os conflitos e os poderes

As “declarações assinadas” de Bush serviam, em seu governo, como base para a implementação das leis por autoridades do Executivo. A decisão de Obama agora leva essas autoridades a promoverem uma revisão ampla, invertendo a orientação – a menos, naturalmente, que o bom senso não o recomende. Inadmissível seria a perpetuação dos abusos bushistas, até porque já há um esforço no Congresso para se investigar a responsabilidade de Bush pelas torturas (saiba mais AQUI), com base em memorandos já disponíveis (veja reprodução abaixo).Terror Memos

Em caso de dúvida, a interpretação da lei é tarefa para a Justiça, não para presidentes ou parlamentares. Cabe à Suprema Corte, frequentemente acusada pelos conservadores de exorbitar, usurpando poderes do Legislativo. Em 1973 a decisão Roe v. Wade legalizou o aborto (saiba mais sobre o caso AQUI). Isso por ter revogado leis estaduais e federais que violavam o direito constitucional à privacidade ao proibir ou restringir o aborto.

A American Bar Association, cujo papel é semelhante ao da OAB (Ordem dos Advogados) no Brasil, condenava as “declarações” de Bush como “contrárias ao estado de direito e à separação constitucional dos poderes”. Chegou a conclamar Bush e os futuros presidentes a por fim à prática, limitando-se a assinar a lei ou então devolvê-la, para o Congresso derrubar ou não o veto presidencial.

Moderação no novo rumo

Ao ordenar a revisão das “interpretações” de Bush, o presidente Obama não abandonou o expediente. Ao contrário. Indicou que pretende, ele próprio, recorrer às “declarações assinadas” quando achar que o Congresso aprovou uma lei com dispositivos que o presidente considera inconstitucionais. Isso por achar que há um espaço para a prática, desde que usada moderada e apropriadamente.

Formado em Direito pela respeitada Harvard Law School, Obama tem base para fazê-lo.specter_alan Mas alguns republicanos que condenavam a prática de Bush, como o senador Arlen Specter (foto ao lado), hoje representante de mais alto nível do partido na comissão de Justiça, que foi presidida por ele antes. E também os senadores Olympia Snowe e até John McCain, que criticaram essa posição de Obama (na campanha McCain prometera por fim à prática caso fosse eleito).

O que Obama prometeu antes e reafirma agora é deter o abuso. “Exercendo minha responsabilidade para determinar se um dispositivo da lei é inconstitucional, agirei com cautela e moderação, com base somente em interpretações da Constituição que sejam bem fundamentadas”, escreveu o presidente no memorando aos ministros e diretores de agências do governo.

Published in: on março 10, 2009 at 10:14 pm  Deixe um comentário  

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